quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Uma vida em flash


Eram 17:45 do dia 9 de Maio. Mais um dia de trabalho terminado.
Entrei no elevador panorâmico. Pressionei o botão para o rés-do-chão. 
O elevador fechou-se atrás de mim.
Uma vista fantástica a daquele  13º andar.
Até ao rés do chão a minha vida passou em flash, como se tivesse durado alguns segundos. Apenas o tempo da descida.
Nesta viagem de segundos, vi-me apaixonada pela primeira vez, criança ainda, o amargo de  um oceano pelo meio, as longas horas de soluços e dores de barriga de uma menina de onze anos apenas. Ele era o actor mais bonito da série de televisão a que assistia todos os dias ao fim da tarde.
Recordei os tempos felizes e despreocupados da minha infância e juventude, os sobressaltos e aventuras atrevidas, as ilusões e castelos construídos em solos movediços e traiçoeiros.
Recordei o auge da minha existência e passagem por este lado da vida, experiência só possível a quem tem o privilégio e a bênção de ser mãe.
Por aqui me detive, como quem encontra a cabana ou o refúgio mais auspiciado perante a maior e mais violenta tempestade.
Neste recanto me aconcheguei. Recusei-me a sair dele.
O elevador parou. A porta abriu-se. Era tempo de sair.
Tempo de enfrentar a rua fervilhante de gente, de barulho, de sol, de vento, … de rumar ao meu recente mundo de novo. De pôr os pés naquela paisagem fantástica que havia visto lá do alto. E regressar. Regressar a casa. Agora mais vazia.
Maria Adelaide Santos

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Amores clandestinos





Nunca como hoje, o mar se uniu ao céu de forma tão cúmplice.
Era como se céu e mar fossem um só e, assim misturados, tocassem nas rochas, as contornassem, se estendessem e viessem desfazer-se em movimentos de espuma aos meus pés.
Sabemos que o mar vive, há séculos, um amor intenso e eterno com a areia. Porém, como qualquer homem, perde-se em namoros com a brisa, com uma chuva miudinha, com a Lua, ... numa ânsia por uma nova conquista, pelo sabor secreto e oculto da sedução.
Mas ele volta. Ele regressa a cada segundo, com um abraço terno, um segredo sussurrado, um cântico envolvente e arrependido que extingue a traição e lhe devolve a sua amada.
E ela acredita. Ela abafa o desgosto.
E voltam a amar-se, continuamente, ora em frémitos intensos e possantes, ora em jeito calmo, terno, suave e tranquilo, como só ele sabe e ela gosta.
Mas hoje, hoje o mar uniu-se ao céu.
Será que anda a cortejar alguma estrela?
Se a areia descobre, vai ter de matar mais um desgosto. É que as estrelas são lindas. E brilham, brilham e brilham sempre que lhes apetece.
Maria Adelaide Santos

domingo, 19 de outubro de 2014

A propósito de palavras


Se pudesse pautar a minha vida por três palavras, escolheria estas: Serenidade, Coragem e Sabedoria.
Cada uma, isolada, tem uma força extraordinária mas, as três, em conjunto, podem fazer vitorioso um exército, crescer um país, transformar uma vida ou dar vida a quem não a tem.
Contudo, não bastam as palavras. É preciso o conteúdo que elas transportam. Palavras cheias por dentro. E esse conteúdo somos nós que preenchemos, que o colocamos dentro de cada palavra, para que ela seja, de facto, Palavra com Conteúdo.
Acredito que todos nascemos com uma marca que nos distingue dos restantes semelhantes.
A essa marca eu chamo “centelha”.
Cada um de nós nasce com a sua centelha que irá brilhar quando e tanto quanto nós quisermos.
Saber usar essa centelha requer sabedoria, por vezes muita coragem e, de quando em vez, alguma serenidade. Todas precisam de tempo para crescer, para  prosperar. E, ser sábio é saber esperar. 
Às vezes, olhamos para trás no tempo e revemos várias fases da nossa vida, como se de um filme se tratasse. Nesse filme vemo-nos em situações muito semelhantes mas as nossas acções são muito distintas. Foi a serenidade que aumentou, a Coragem que cresceu e a Sabedoria que se impôs.



 Maria Adelaide Santos

domingo, 12 de outubro de 2014

Falta-me tempo

Em 2013, tive o privilégio de ver um dos meus poemas publicado pela Chiado Editora, na Antologia de Poesia Contemporânea Vol. IV. Um poema que foi escrito nos finais de 2011. Como a vida nos dá lições! E como nos surpreende!
Nas páginas 304 e 305, assinando como Maria Santos, escrevi assim:

Falta-me o tempo para sonhar.
Falta-me o tempo para sentir,
para escutar o vento,
para me deitar na relva, esticar um braço
e tocar o céu, agarrar as estrelas,
ou pegar na Lua
e levá-la comigo.
Falta-me o tempo para amar.
Falta-me o tempo.

E eu já tive tanto tempo!
Mas andei a entupi-lo.
Entulhei-o com banalidades.
Crivei-o de buracos vazios,
ocos de essência,
de mórbidas horas de desleixo, ...
de fantasmas e sombras.

Agora, o meu tempo mirra enquanto durmo.
Acordo cada dia mais cedo,
agarro-o com as duas mãos,
cerro-as com toda a força,
mas ele escorre-me pelos dedos,
gota a gota,
e esvai-se a meus pés.

Alguém tem tempo para dar?
Tempo para vender?
Um pouco que seja…
É que já tenho pouco tempo.
E tenho medo de não ter tempo
para abraçar o quanto quero
e me deixar abraçar o quanto sonho.
Para amar o quanto posso
e me deixar amar o quanto preciso.
Para beijar quem me apetece
e deixar-me beijar por quem desejo.

O Tempo, esse impiedoso vadio
abandona-me durante a noite,
e de dia não me basta.
Deixa-me este vazio
e esta saudade de o ter por perto. 


 Maria Adelaide Santos

sábado, 11 de outubro de 2014

De mansinho


De mansinho, assim como quem espreita pela porta entreaberta, a ver se pode avançar, pé ante pé, assim estou eu, de mãos a transpirar, coração aos pulos como louco, cheia de vontade de começar hoje mais uma viagem, desta vez uma viagem ao mundo das palavras.
Neste mundo incomensurável e de uma riqueza desmedida, deixo-me embalar pelos sabores, pelos sons, pelos afectos, pelas cores, pelas sombras, pelo mar, ... e por aqui me detenho, a descansar nas dunas, onde me inspiro tantas vezes e onde me sinto aconchegada, de corpo e de alma.
Palavras nas dunas nasce hoje, dia 11 de Outubro de 2014.

Porquê
 Maria Adelaide Santos