quarta-feira, 26 de junho de 2019

Amor em part-time

Já não a via há muito tempo. Muito tempo mesmo. Talvez há mais de 25 anos. Está igual. O sorriso, principalmente o sorriso está lá: aberto, franco e luminoso. Algumas rugas, poucas, uns cabelos brancos aqui e ali, disfarçados com as madeixas, a mesma forma de olhar nos olhos quando fala. - É para que me ouçam melhor!, costumava dizer por brincadeira.
Ríamos tanto nessa altura!
E rimo-nos hoje também. Recordámos velhas histórias, antigos colegas, professores, as partidas que pregámos, as que nos pregaram, ... falámos dos filhos, da família, ... de como éramos felizes naquela altura.
Tomámos chá e comemos uns biscoitos deliciosos, as rosquinhas, feitas ali mesmo na confeitaria, a mesma que frequentávamos na adolescência.
Quando estávamos prestes a terminar o nosso encontro a Teresa pegou na minha mão e atirou: " És feliz?" 
Nem tive tempo de lhe responder.
As lágrimas saltaram-lhe de chofre, a voz embargou, senti a minha mão asfixiar, tal era a força com que a apertava.
Fiquei atenta, acompanhei os seus olhos, esperei por ela.
Quando recuperou a voz, pediu-me: "Vamos caminhar um bocadinho?"
Claro. Terminámos o chá, levámos o resto dos biscoitos e saímos.
Depois de uns minutos e silêncio - que eu respeitei - confessou:
"Sinto-me descartável, de usar e deitar fora, uns dias, outros sou uma espécie de casaco antigo, um pouco démodé mas que se mantém no roupeiro, não vá um dia ser preciso, quem sabe o casaco novo não esteja disponível. 
Vivo um amor em part-time. 
A verdade é que já não sei de quem foi a vontade: minha ou dele."
E agora? Qual é a tua vontade, Teresa?
A tarde fugiu sem nos apercebermos.
Marcámos outro encontro, outro chá. Precisa de aclarar ideias e perceber-se.

Maria Adelaide Santos

Porquê?